Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!


Há quem tenha medo do tempo. Muitos o vêem como inimigo, outros o desconhecem ou fingem não percebê-lo.Encontrei um ancião, barbas brancas, bordão à mão, pois não mais confiava nas pernas.Perguntei-lhe o que pensava das perdas que o tempo ceifara. Quis também saber das forças que se esvaíam, da vista que enfraquecia, se sentia solidão. Se a memória traiçoeira às vezes o desconcertava, não o deixando à vontade.Com surpresa ouvi, atenta, sua revelação:-Convivo bem com meu tempo. As pernas, a vista, a força, a memória atrapalhada, nada me serve de empecilho para desfrutar as alegrias que me chegam diferente. Não amaldiçôo o tempo, dou-lhe sempre toda razão, pois ele cumpre com o seu dever.Embora as forças me faltem, sinto-me muito bem. Hoje entendo as pessoas, aprecio as estações que mudam a feição do tempo.Creio na força Maior que me trouxe a este mundo. Sinto-me muito mais sábio do que fui na juventude: me encanta olhar uma flor, frutas e frutos tão saborosos; tudo criado por Deus, o mesmo Criador que me fez nascer. Cada dia entendo melhor a força da Criação.Aprendi a guardar alegrias, dispensar qualquer tristeza. A sabedoria me diz que, quando meu dia chegar e a grande viagem encetar, irei na hora certa.Em outra dimensão, em outra forma de vida, levarei a experiência e as mãos plenas de amor.Aguardo... é o que posso fazer... sem pressa, sem medo, sem questionar.Mas sei: “Lá, para onde irei, sou amigo do Rei”.